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Nas manhãs de domingo
É quando os carros descansam em suas garagens e a cidade inteira silencia que da janela sopram passarinhos e um azul de nuvem e sonho acordam o poema. Dos lençóis brotam estrelas e cerejeiras em flor: no cheiro da pele a eterna primavera, e nos olhos, jardim, preguiça e fome. Nas manhãs de domingo, a […]
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Das (im)perfeições
Um tremor de lábios o passo incerto a falha na voz. Aquele temor de que o dia não fosse assim tão perfeito. Os cabelos despenteados a língua na faca a boca na fome: a poeira no sapato que trôpego e perdido não sabia bem o lado da rua. O esquecimento do verso teu medo no […]
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Eu e os impossíveis de mim
Como todo fim de ano, lá vou eu reler diário (sim, tenho um. E não, não é diário: eptomadário, ou talvez, mais lacunar ainda), fazer o balanço de vida, saber se algo do que pensava ano passado, penso ainda (eu, que sou tão inconstante), se algum dos meus sonhos continuo a sonhar… E cada ano […]
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Incultas
E era água, lago num céu azul estrada de poeira num domingo sem fome. O tempo rolava em pedregulhos. O domingo escapou pela curva suada, e para além de todas as teorias, um cheiro que não tinha em literatura nenhuma: a nuca a boca o beijo, os pés mergulhados no chão no céu, e nós, descansando […]
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Depois do dia morto
, o que restou foi um vento de chuva, um pensamento de nuvem (em formato de leão marinho), uma fome incivilizada e aquele cheiro de verão. Quando o dia caiu por terra, e a noite cresceu fresca, o que nasceu foi a vontade louca de ser mar (queria saber cantar), e um déjà-vu de outro século, […]
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Buquê
Ao dobrar a esquina, dezembro se fez quente, findo. As rosas vermelhas, ainda mais rubras, ainda mais fundas naquele azul de céu tão lá. E foi à beira da calçada, o começo do precipício, foi entre um passo e outro que chutou pedras descobrindo topázios. Procurou nos dicionários, almanaques, cartas e mapas, que mês era […]
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Poe(a)mando mais
Façamos poesia. Não poesia-papel, mas poema vida: nos pratos de comida, na cama arrumada, no sorriso perdido. Façamos poesia com nossos corpos, sonolentos ou despertos. Façamos poemas como quem ama, indo e vindo, sem pausa, sem correntes. Que a poesia acorde assim: no dia que, espreguiçado, ouve passarinhos e silencinho. Silêncio que acaricia. Que o […]
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Tarde sem fim
A noite não se apressa em chegar, vem, lenta, morna, com jeito de quem não quer. Nos teus cabelos, nesse rasgar de sonhos e ventos, furiosa e veloz vem a fome, a sede, e eu, entre atrasos e cotovelos, azul e azeitonas, penso em versos, sexo e poemas, e tudo termina em:
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Entre os versos (e pernas) de um poema,
foram encontrados: * Uma taça de vinho suja (e vazia); * A tarde que caía, trôpega e suada; * Aquele beijo que, feito musgo crescia, e se espalhava entre espáduas, sobrancelhas, e enroscava-se em As, is, e umas poucas consoantes; * O canto do passarinho que começara naquele domingo azul, e se estendia por horas que […]