• Sem guarda-chuvas

    Tem dias que não se escreve bonito (é sempre chegada a hora de arrancar a casca que (re)cobre a ferida não para sangrar sofrer soprar mas para olhar bem dentro) Nessas tardes que chegam úmidas marcadas com lama e cinzas essas tardes são todas elas inteiras em blocos surgem carregadas nos ombros do tempo e […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 22 de setembro de 2023
  • Os meus buracos sangram

    Sim, Rita Lee tinha razão: “mulher é bicho esquisito, todo mês sangra”. Mas meu sangue corre também pelos buracos que respiram, esses buracos aéreos que nessa época do quase-primavera, sangram, escorrem, já que, como nos lembra Anne Carson, “somos molhadas”. Somos. Sangramos, choramos, molhamos. E como mortais, coagulamos. Diferentes dos deuses homéricos, nosso sangue não […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 1 de setembro de 2023
  • Areia na boca

    É quando o tempo escorrega entre as brechas da janela Onde tu esfregas os olhos no dorso de mãos imprudentes Um hoje que chega pelas costas O ar impuro entre dedos analfabetos O relógio descompassado e o deserto na ampulheta: de grão em grão na ponta da língua.

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 15 de agosto de 2023
  • Sou entre azuis

    Eu que sou penhasco de sal enferrujada nas entranhas Onda bate vira mar. Unhas e tropeços desfolha revira desvira altura em buraco: profundezas dos meus (s)ais. É como se. Era. Um sopro e um vento lá vem a ressaca engolindo margens, embarcações. Na crista, o barquinho de papel leva em si(lêncio) uma palavra minúscula que […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 30 de julho de 2023
  • Sonho

    É nos vãos que o fogo pega é nos desvãos que a gente voa no buraco que a semente cresce no escuro, a gente adormece (às vezes sonha) não gosto de rima (me sinto presa num futuro sem passado – vai entender!) Faz tempo que não tenho agenda (porque as coisas mudam de lugar o […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 18 de julho de 2023
  • Cortinas

    Sabia improvisar, imaginou. Subiu ao palco e. Ovacionada, fez três reverências para a platéia e voltou para o camarim. Teria que voltar para casa, lembrou. Queria que fosse tão fácil quanto interpretar. Mas não era. Já tinha encarnado Ifigênia, Medeia e até mesmo, Helena. Voltar a si era diferente: ela era Ela. E tinha uma […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 11 de julho de 2023
  • Sonhos de chuva

    Ela acorda, toma café (suco de laranja, na verdade), caminha na chuva e olha a vida passar. Ela deita à noite, tenta ler duas páginas do livro de meses atrás e já não lembra da história. Dorme, e seus sonhos são tão incompletos quanto os contos que escreve. Ela acorda, toma café (hoje sim, toma […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 7 de julho de 2023
  • Das listas desúteis

    1- pêlos de gato em roupa preta 2- verso que surge no meio da noite, fecunda poema, e some ao acordar 3- barulho de chuva em domingo preguiçoso 4- garrafa vazia, cheia até a borda de histórias da noite anterior 5- vela derretida (da mesma noite anterior) 6- cabelo desarrumado em manhã atrapalhada (resquício da […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 1 de julho de 2023
  • Da cólera

    Tem frase que vem feito título de livro e não segue adiante não segue em frente e ficamos nós, ali, numa hipertrofia de eu, “eu quê?”. Eu como, eu durmo, eu sonho, feito música embaralhada, ano e tempo que não passam e não voltam, “eu quem?”. Quem são e quando, não se sabe, não se […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 22 de junho de 2023