Prosaicas

Aqui, sem métrica.

  • Pijamas

    Quando acordou já era maio. E as estrelas haviam mudado de lugar. Quando adormeceu eram outros sonhos, e os lençóis ali: aqueles de sempre, embrulhando o pijama desbotado. Quando sonhou aqueles sonhos antigos, emoldurados em paredes sem pintura, eram rascunhos. Só rascunhos. Ao sonhar-se em pedaços, descobriu novas tintas. Quando abriu os olhos, primavera e […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 18 de janeiro de 2023
  • Egoísmos

    Permitam-me ser egoísta. Numa pandemia se pode. Não se deveria talvez, mas alguns pequenos egoísmos nos salvam dos grandes (plagiando Clarice). Essa quarentena está me fazendo bem. Não gostaria que fizesse mal a ninguém, mas sabemos que “querer é poder”, só, não funciona. Sim. Todos nós, de alguma forma, estamos doentes. Alguns ficarão doentes de […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 5 de abril de 2020
  • Tenho no corpo, uns mapas

    A tarde se fez verão na Albânia. Não me pergunte como o verão apareceu à meia semana do inverno. Não me pergunte porque naquela esquina. Não sei porque nesta tarde. Posso responder apenas sobre a Albânia: paixão nunca esquecida, aparecida de repente, num virar de esquina em plena semana. Nesta quinta-feira de vento e sol, […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 6 de junho de 2019
  • Bebia em goles, aquele amarelo solar

    Ela desistira das cores há muito tempo. num outro espaço num outro corpo numa outra vida, talvez, tivesse sido vermelha. em azul, respirava, décadas atrás. dos pés nasceram passos verdes, e entre os olhos, um listrado em preto e branco fazia seus dias oscilarem entre luz e sombra (mal sabia ela, que eram as barras […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 14 de fevereiro de 2018
  • Des(p)ejo

    Na compulsão de varrer aquele deserto inteiro que tomara conta da casa, ela abriu a porta da frente e varreu varreu varreu varreu poeira, areia, e tempo. Depois de 41 dias varrendo, descobriu que não conseguiria. O movimento de varrer só abria mais espaço para o deserto avançar: eram dunas que se movimentavam para dentro […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 18 de novembro de 2017
  • Gota a gota

    É que naquela noite em que a cidade sumira, os arbustos, as ruas, tudo parecia trançado em luzes de natal. Só que era julho. E aquela chuva não parava nunca mais. As gotas todas assim, na noite que agora silenciara, de águas paradas em alguma nuvem esperando apenas a ordem de sabe-se lá quem, mas […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 4 de julho de 2017
  • desmemória

    Se era outono? Não sei. Pouco a pouco, somem todos que andavam por aqui. O dia de hoje? Aquele relógio ali, na parede verde descascada, desbotou muitas horas perdidas, alguns beijos derretidos, e um não-sei-o-quê de amendoim e queijo fresco perdeu o sabor. Agora? Não quero ir ainda. Não agora. Não antes de voltar a […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 9 de maio de 2017
  • Ruas, rapaduras, e um sonho inacabado

    O cair de tarde amarelo-caramelo com um sopro de outono deslizou pela janela, e o doce escorreu pela boca. Gosto de doce que se come em sonho. Doce tão doce que não tinha nada de batata-doce. Era doce duro, raspado, que não saía da boca. E ela pensou num sonho inacabado: em Paris, o sol percorria as […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 23 de abril de 2017
  • Eu tu toda

    Das coisas que eu esqueço, a que mais me é cara, talvez a frase primeira, o olhar quando tu fugistes do meu gostar, para o teu querer. Era num dia cinzento, cheio de verdes, azuis e vermelhos. Naquele riscar de fósforo, sem acender cigarro algum, a caverna, as sombras, o sopro de. Das coisas que eu esqueço, […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 12 de abril de 2017