Ela desistira das cores há muito tempo. num outro espaço
num outro corpo numa outra vida, talvez,
tivesse sido vermelha. em azul, respirava, décadas atrás. dos pés nasceram passos verdes, e entre os olhos, um listrado em preto e branco fazia seus dias oscilarem entre luz e sombra (mal sabia ela, que eram as barras da prisão).
mas hoje, justamente hoje, quando o ano começava, não no primeiro dia do calendário, mas assim, no meio de uma semana cansada, esgotada, justo hoje, ela tinha sede. muita sede. e não era uma sede comum, de água, suco, vinho ou aguardente. era uma sede que começou cinza, fresca, escorrendo pelos cantos da boca, e depois foi entrando pelas narinas, pensamentos, secando gestos e soterrando poros. mas foi no caminhar apressado, quase correndo (porque ainda não tinha fôlego para grandes jornadas) que sentiu a sede desidratando até aquele último sulco que percorria a palma das mãos envelhecidas (tantos tocares inacabados). foi nesse espaço minúsculo do corpo que começou a entender: bebeu em goles, primeiro amarelados (diluídos num medo há muito cultivado), logo depois, amarelo Van Gogh, insano, violento e de uma solidão aguda. mas no fim, sua sede pedia lânguida, um amarelo quente, solar, suado e quase desértico, como se ela fosse.

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