Muitos se utilizaram da expressão “lesma” no século passado, como forma de agressão, para rotular pessoas que não faziam suas atividades no ritmo “certo” e “produtivo” do capitalismo selvagem. Umas centenas de anos depois, se descobriu o poder musical sem precedentes na história molluscal, quiça até, de todo reino Animalia (talvez o caramujo seja uma exceção, já que possui a concha que funciona quase como uma trompa, mas difere das lesmas por possuir tons mais graves, e alguns efetuam composições marítimas).
O que se descobriu, após pesquisas com lesminol (algo semelhante ao antigo luminol, utilizado pela perícia em locais de crime, para detectar vestígios de sangue e outros fluidos orgânicos), após a utilização do lesminol descobriu-se uma infinidade de “partituras”, que agora já são chamadas lesmituras, de forma corrente, do meio acadêmico ao meio musical, espalhadas por folhas, árvores e até mesmo em muros e paredes (nos muros chegou-se a cogitar que seriam hinos-manifestos, como foi nos primórdios da Therolinguística, com o “abaixo a rainha!” – ou o acima a rainha, dependendo do ponto de vista adotado – das formigas).
Num primeiro momento acreditou-se tratar de inscrições ou trechos libidinosos (sobre pedras, principalmente, objeto de dureza reconhecida), mas as inscrições gosmentas não faziam sentido. Um conselho foi chamado para compor a mesa de estudos, do GT Reino Mollusco, mas nada conclusivo foi deliberado. Chamaram especialistas do mundo todo, mas não havia jeito de descobrir-se uma gramática tão fluida.
A chave do mistério foi descoberta quase por um golpe de sorte, ou algum arranjo caosmológico. Um dos pesquisadores estava em seu laboratório com um conjunto de folhas dispostos sobre a mesa, na tentativa de encadear “sílabas” (não sabia que tratavam-se de ‘notas’), quando uma cigarra entrou pela janela (era pleno verão), e ao pousar próxima, passou a entoar a plenos pulmões uma espécie de melodia jocosa, quase uma ópera bufa em três atos, como se debochasse do pesquisador.
No mesmo momento, uma intuição lenta apareceu aos olhos do pesquisador: e se fosse música e não texto?
Facilmente se “traduziu” a lesmitura: Canção de Verão em Sol Maior, tocada por brisa e cigarra soprano. A partir daquele momento, o termo “lesma” tomou outras entonações (e não mais, conotações): designa maestro ou maestrina. Observou-se também, não poder ser utilizada a lesmitura para vozes ou instrumentos humanóides, pois a clave utilizada é a de Si-Mesma, e as linhas (infinitas) não são passíveis de serem executadas sem o exoesqueleto necessário.
O pesquisador “descobridor” das inscrições não quis aceitar os créditos pela descoberta, e atribuiu à Cigarra Soprano Montserrat Caballé (em homenagem à uma diva da ópera antiga) todos os méritos pela tradução das lesmituras.

Marcelona, 25 de julho do ano 7.300 da Nova Terra.

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