Ler a gente aprende o que, com cinco anos? Não sei. Não lembro. E para mim toda criança tem sete (não consigo distinguir tamanhos e fases). Eu não lembro quando aprendi a ler, e essa é uma amnésia que dói. Tanta gente lembra de tanta coisa, e eu esquecendo tanto…

Como em mim nasceu o amor pela palavra? Quando eu quis ser escritora? Digamos que desde sempre. Digamos que desde que a minha memória existe. Não lembro quando aprendi a ler  nem escrever (minha mãe lembra da primeira palavra que escreveu, lembra do prazer da sua alfabetização…).

Lembro de alguns livros de criança: o prazer das enciclopédias que me faziam acreditar que eu poderia conhecer o mundo! Lembro de gatos dentro de sapatos, do Mogli, de capas duras e folhas amarelas, lembro da poesia da Cecília Meireles (sim, minha mãe sempre amou poesia). Lembro do meu pai me mostrando o Tesouro da Juventude (meu deus, eu podia tanto!). O Mundo da Criança era o meu mundo. O Globi (será que era esse o nome?) era uma versão arcaica do Zé Carioca? Um ser que até hoje não defino, nos primórdios das histórias em quadrinhos… E o Malba Tahan, e seus mundos tão distantes…

Eu lembro disso tudo não de memória: é de cheiro. De gosto. De algo que ficou em mim tão entranhado, que é bem essa a palavra: entranhas. Em tramas.

Digamos que eu queria ser escritora depois que descobri que eu não tinha os poderes da Mulher-Maravilha (eu vestia a fantasia mas o laço da verdade não funcionava como na Liga da Justiça). Quando eu descobri que não ia rolar, que salvar o mundo com a minha capa, meu laço, e meus muitos tombos tentando voar, não seria assim tão fácil, foi ali que eu decidi ser escritora: eu iria salvar o mundo, o meu mundo, de uma ruína chamada realidade.

Eu queria mais. Eu quero mais. O meu “laço da verdade” contou mentiras demais.

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