quando ela acordou, acordou de algo mais profundo e incomodada pensou: então não posso hoje pensar pensamentos azuis, sem vento, sem sol, sem nada? Nada respondeu, mas no pestanejar lembrou que um vermelho espreitava ali, debaixo daquela capa dura, tão dura, que nenhuma poesia escapava por ali.
ela passou o dia inteiro tentando encontrar num respiro que fosse, um poema, uma folha caída, uma coisa sem explicação que não explicasse absolutamente nada, e que fosse assim, de uma inutileza tremenda que nem inutilidade seria. caminhou pela fresta de sol que o céu de cinza escondia, cheirou planta e flor, abocanhou doces e cerejas, e nada. concluiu que o problema todo fora criado quando do despertar. ela, por ela mesma, não teria acordado. continuaria dormindo. porque lá, naqueles olhos fechados, ela sonhava azul, pensava azul, ela toda era azul. mas isso foi antes da manhã insone. isso foi antes das três e meia, de uma tarde útil, que não dava espaço para nada além de utilidades. o que ela queria era muito menos: ela só queria um ou dois poemas azuis, ver as garças bailarinas ritmadas pelo coração do mundo, e se não fosse pedir demais, um ar tranquilo de quem não fez nada e nada faria, a não ser, ser lírica feito guarda-chuva em dia de sol.

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