Comecei o ano de 2015 com uma esfera perfeita de certezas na mão direita. Na esquerda, uma peça disforme de dúvidas: ousei nomeá-la Astrid, por suas arestas. Pois bem. Todas as manhãs, antes de sair de casa, pegava minha esfera numa mão, Astrid na outra, e percorria a vida, a rotina, o mundo: dois pesos e duas medidas.

E assim, num dia qualquer, ao distrair-me com um sorriso, tropecei e lá se foi Astrid e a esfera ao chão… Certezas e dúvidas misturaram-se em tantas partes que não se poderia separá-las nunca mais. Entre o preto e o branco havia o vermelho, o verde, o azul. Não eram apenas mulheres e homens, mas corpos em construção. Nem sol nem lua: noites estreladas e verão. Não era dia nem noite, apenas sonhos num coração.

Quase tudo que era certeza, se duvidou. As dúvidas traziam respostas, e quem eu imaginei que eu mesma fosse, já não era mais.

Mas não doeu.

Não sangrou.

Não chorou.

Morri sim.

E nessa minha morte eu descobri “um tempo que vai existir sem mim”, e isso me deu a liberdade de desvendar uma outra vida: aquela que se vive quando, ao esquecer-me, desperto. Um acordar vazio,  silencioso e amoroso. E esse amor não realiza nada, ele levanta voo para sonhar-se e ser sonhado. É um amor que cruza fronteiras, que (des)constrói certezas, que permite ir além. Como Os Demônios de Dostoiévski, “nós somos dois seres que nos encontramos face a face no infinito”, e esse somos, é.

As muitas Astrids brincam agora com as esferas coloridas. E eu já não tenho medo da morte. Apenas planto jasmins.

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