E bato o pé no chão, para crer na vida. Para saber quem sou. E não sei. Bato, bato, bato: três vezes que é o número exato para crer. Para afastar azares e acasos. E o chão não se rompe, e fico segura de estar em terra firme. Mas não sabe então, que quero o abismo? O precipício, a queda? Sou abismo. Pois sim.

O verão é falante, pula pelos campos floridos e gotejantes de um suor escaldante. Não. Não sou assim.

O inverno é quieto, tristonho até: às vezes cinza, em outras, de um azul gelado. Translúcido. E eu, tão pouco lúcida. O inverno escuta, precisa de alguém que aqueça o coração que pulsa: quase-morto-quase-vivo.

Vejo as árvores expostas a todo tipo de intempérie e me descasco toda. Quero também ser frio, eu, nua, diante desse inverno solitário. Na cama quente, sinto saudade. Saudade de tudo que ainda não fui. Que não sou.

É uma estação perdida? Procuro. Meu gesto desfigurado nas mãos diminutas do tempo vagueia na escuridão de futuros. Porque tudo é tão pouco que cabe na palma da mão, na linha da vida trespassada pelo temor de viver. A alma esfarelada nesses dedos que não contentam-se em tocar, gesticular, eles querem sempre mais. Uma subitânea alegria me consome: sou fora, e mais dentro do que eu possa estar. Cansei de me perder: aceito minhas frias noites e espero o fogo que amanhece. Dourado, vermelho, lá vem o sol.

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