André Gide, Nobel de Literatura em 1947, polêmico em sua literatura ou na vida nos ensina muita coisa no seu “Diário dos Moedeiros falsos”. Fiz a experiência de ler o diário, enquanto lia o romance, “Os moedeiros falsos”.

O diário funciona como um diálogo constante do escritor com o trabalho da escrita do romance, é como um  making off da obra. Gide dialoga constantemente com seus personagens, mostra ao leitor de onde surgem as ideias, como ele trabalha a massa disforme das palavras até transformá-las em manteiga. Explico:

“Prefiro a imagem da batedeira de manteiga. Sim; durante várias noites seguidas, bati o tema em minha cabeça, sem obter o menor coágulo, mas sem perder a confiança de que os grumos acabariam por se formar. Estranha matéria líquida que, primeiro e por muito tempo, se recusa a tomar consistência, mas onde as partículas sólidas, à força de serem mexidas, agitadas em todos os sentidos, se aglomeram finalmente e se separam do soro. Agora, tenho a matéria, que preciso amassar e manejar. Se não soubesse de antemão, por experiência, que à força de bater e de agitar o caos cremoso veria renovar-se o milagre – quem não abandonaria a tarefa?” (p. 53).

É quase como espiar pela fechadura, o autor entre lençóis fazendo amor com sua Musa, com seu texto, gozo de palavra escrita-acariciada. Gide, ao escrever o seu Diário, conversa o tempo inteiro com seus pensamentos. E quem ganha somos nós, leitores, que, à propósito, somos citados:

“Primeiro proceder ao inventário. As contas se farão mais tarde. Não é bom misturar. Depois, terminado o livro, eu largo o leme, e entrego ao leitor o cuidado da operação; adição, subtração, pouco importa; estimo que não cabe a mim fazê-la. Tanto pior para o leitor preguiçoso: quero outros. Inquietar, essa é minha função. O público prefere sempre que o tranquilizem. Há alguns que têm isso como profissão. Há até demais” (p. 108).

É. Concordo com Gide. E continuo a ouvir através da parede.

Trechos de “Diário dos Moedeiros falsos” – André Gide – Trad. Mário Laranjeira – Estação Liberdade, 2009.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *