Ana-creônticas

Poesia e vinho

  • Útero

    Fechava as janelas, vidros e portas. Não dormia, se aconchegava: entre almofadas, cobertores e travesseiros. A chuva, chovia. Sempre que chovia, voltava ao útero. Um silêncio que amortecia os ruídos do mundo. Lá fora, a vida. Aqui, o antes de tudo, um agora urgente e inadiável, talvez o único ponto exato em que tempo e […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 25 de fevereiro de 2023
  • Bordas

    À beira do que um dia foi rio: saudade de agora pedras tesouros antes secretos, agora ali nus e divulgados. Naquele tempo molhado, ela não teve coragem do mergulho (entrava água pelo nariz, dizia) Hoje nesse espaço deserto nadava.

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 29 de janeiro de 2023
  • Mini-a(l)turas

    Na verdade eu paro e penso: a gente não cresce nunca. Aquele lance de “criança interior” é dentro e fora. Aquele medo do escuro só é agora outro escuro. Aquele monstro criado, agora é multidão. Todos nós brincamos de casinha, criamos nossas torres e castelos, todos nós falamos com amigos imaginários (ou imaginados). Escrevemos diários, […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 21 de janeiro de 2023
  • Escrevo(-me)

    Não será um bilhete, nem mensagem no whats. Cartas no correio também não. Uma frase histérica, nas paredes do prédio. Ou quem sabe, uma poesia entre os muros da cidade sitiada. Lembretes na geladeira morreriam de fome. Aqueles rascunhos, fogo e chão. Não. O que escrevo(-me) vai dentro de garrafa lacrada lançado ao mar: de […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 30 de agosto de 2022
  • Poeta cheia de pelos

    Na folha, o amassado do tempo, da história não lida, das muitas idas e vindas, dos lugares (in)comuns. Na vida, os nossos melhores possíveis, o nosso único possível, porque nunca se vai até onde nunca se esteve (estivemos? Estaremos). Na boca, o amargo do tempo, a sujeira no dente, a falta da fala, a fala […]

    Ana Júlia Poletto Um comentário 21 de agosto de 2022
  • Janelas ao vento

    Era do início do mês, dos tempos, de um outro mundo que ela entrou: era abril poderia ser ontem da janela saltou antes seus olhos suas mãos seu cheiro ela toda aberta veia velha louca entrou como se nunca tivesse saído. Escancarou armários ideias idas vindas de outros, ela toda bela ela: abriu-se ao meio […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 1 de abril de 2020
  • No verão, de pés descalços

    Ela podia ser mais (calma paciente otimista) Ela tinha que ser menos (colérica descrente bêbada) era o que todos diziam – alguém disse. Ela era surda (quando queria) Não gostava de calor gostava de verão (quando era noite) Pestanejou, numa noite de segunda (podia ser de quinta também) e não sabia se o sonho era […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 14 de janeiro de 2020
  • Corpo a corpo

    “e o poema faz-se contra a carne e o tempo” faz-se com a carne e o tempo A carne O corpo entre os lençóis entre as pernas as mãos e os vulcões rimas perdidas num tempo esquecido. O tempo na carne: o corpo desliza ponteiros entre a nuca e o ombro esquerdo porque o direito […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 1 de setembro de 2019
  • Rascunho(s)

    Escolho uma palavra secreta e sussurro ali entre as tuas pernas cada sílaba cada letra nos teus poros O parágrafo inteiro nas tuas costas uma página toda pelo teu pescoço continuo a escrever-te toda dos pés à cintura da nuca à palma das mãos Nos tornozelos descubro uma falta de pontuação (Re)começo o poema ali […]

    Ana Júlia Poletto Sem comentários 22 de agosto de 2019