Ana Júlia Poletto Lê pedras, mares e noites. Ama gatos e coleciona frases. Gosta da pele arrepiada, dos pensamentos impossíveis e de sonhar acordada. Corre pelo prazer do cansaço da estrada. Escala montanhas de livros, adormece entre poesia e pôr-de-só(l). Respira amanheceres e se alimenta de cheiros. Habita fronteiras, gosta das inverdades do vinho e gostaria de ser chuva. Acredita que bilhetes salvam vidas. Adora tudo que não seja certeza. Ouve jazz e silêncio e tempestades. Seu corpo todo é poro, sonho e suor. Quer um dia atravessar o(s) deserto(s), e escrever livros na areia: ao som das cordas de um cello.

Corpos para um vitral

Puxe uma cadeira e sente. Melhor: vá para a cama, ajeite os travesseiros e recoste com toda calma. Elimine a pressa, os pensamentos velozes: não quero isso. Se tiver coragem, encomende um caixão, deite nele, entre velas e suspiros. Respire fundo. Não, não morra. Não ainda. Prevejo uma vida muito longa para você. Por que o caixão? Porque não quero pressa. Quero que você deixe até a morte de lado, ou dentro, ou com você. Quero seus olhos só para mim, minha é agora sua atenção, sua vida me pertence. Mas não utilize como parâmetros o meu longe-perto-longo-curto, porque meu tempo é outro. Corpos para um vitral convida-o a enveredar pelo mundo das palavras, do significado, da compreensão.


Os Mandamentos do Não

Oficina, se a gente respeitar a história da palavra, é o lugar onde alguém exerce o seu ofício, onde faz a sua obra, o seu opus. Tenho o prazer de apresentar aos leitores um punhado de contos de oficina. As autoras que os assinam não são mais apenas aprendizes, começam já a dominar as artes do ofício. E são todas mulheres. Um sinal de que elas começam a ocupar um terreno antes quase exclusivo dos homens. Mas também sinal de que elas, talvez mais que os homens, entendem que só se chega a dominar o ofício de escrever por meio do exercício cotidiano, persistente. - José Clemente Pozenato


AS COISAS QUE AS
MULHERES ESCREVEM

O que as mulheres desejam? O que as une? O que lhes dá alegria? Quais seus medos e suas angústias? Se você, não importa o gênero, já se fez essas perguntas, esta coletânea é para você. É no jogo de palavras da poesia, na observação arguta da crônica e na força intensa do conto que se desvelam os sentimentos que nos povoam: a alegria de se descobrir, o medo de não ser amada, a solidão, a raiva com as injustiças, com o não poder existir verdadeiramente e com o preconceito. Essas são as nossas palavras. Essas são as coisas que as mulheres escrevem.


(R)evolução F

Após fugir das chamas, jovem é salva por Svétcha, uma Guerreira da Água. Bárbara, como é chamada, começa um treinamento para se tornar também uma Guerreira. Ela conhece seu animal guia, o falcão, que é tatuado em sua cabeça. Entre as duas meninas, que dividem o mesmo quarto, começa a se desenvolver algo além da amizade e da gratidão. As duas jovens passam de amigas a amantes, num processo que chamam de Fusão. Juntas, Serpente e Falcão, fariam a (R)evolução. Ou não?

  • Atravessares, vivo entre montanha e mar Cruzo a rua o pensamento o presente: chego ali, entre mar e pôr-do-sol Do céu ao sal Sopra macia a lembrança de tempos idos em águas eriçadas por brisas calmas. Chove nuvem lenta leva uma ideia não sei ao certo qual Chove ainda e é domingo e traz consigo a rua arrasta o domingo a […] Sem comentários 3 de setembro de 2023
  • Os meus buracos sangram Sim, Rita Lee tinha razão: “mulher é bicho esquisito, todo mês sangra”. Mas meu sangue corre também pelos buracos que respiram, esses buracos aéreos que nessa época do quase-primavera, sangram, escorrem, já que, como nos lembra Anne Carson, “somos molhadas”. Somos. Sangramos, choramos, molhamos. E como mortais, coagulamos. Diferentes dos deuses homéricos, nosso sangue não […] Sem comentários 1 de setembro de 2023
  • Domingo Deixar que a tarde caia (aceito a gravidade e os movimentos solares) deitar entre a hora e a vida – deslocada, inteira e atravessada (pelas coisas todas ensolaradas e espalhadas entre livros e mãos) Acreditar que sem saber de nada sem querer saber que entre o verde e o azul há o céu da boca […] Sem comentários 20 de agosto de 2023
  • Areia na boca É quando o tempo escorrega entre as brechas da janela Onde tu esfregas os olhos no dorso de mãos imprudentes Um hoje que chega pelas costas O ar impuro entre dedos analfabetos O relógio descompassado e o deserto na ampulheta: de grão em grão na ponta da língua. Sem comentários 15 de agosto de 2023
  • Sou entre azuis Eu que sou penhasco de sal enferrujada nas entranhas Onda bate vira mar. Unhas e tropeços desfolha revira desvira altura em buraco: profundezas dos meus (s)ais. É como se. Era. Um sopro e um vento lá vem a ressaca engolindo margens, embarcações. Na crista, o barquinho de papel leva em si(lêncio) uma palavra minúscula que […] Sem comentários 30 de julho de 2023
  • Sonho É nos vãos que o fogo pega é nos desvãos que a gente voa no buraco que a semente cresce no escuro, a gente adormece (às vezes sonha) não gosto de rima (me sinto presa num futuro sem passado – vai entender!) Faz tempo que não tenho agenda (porque as coisas mudam de lugar o […] Sem comentários 18 de julho de 2023
  • Ilha Eu procurei: no meio do mundo (no fundo, bem fundo) uma palavra nascida do sol banhada de mar Quanto mais eu caminhava mais onda e vento soprava Toquei com pés de areia uma única sílaba e nunca mais voltei. Sem comentários 12 de julho de 2023
  • Cortinas Sabia improvisar, imaginou. Subiu ao palco e. Ovacionada, fez três reverências para a platéia e voltou para o camarim. Teria que voltar para casa, lembrou. Queria que fosse tão fácil quanto interpretar. Mas não era. Já tinha encarnado Ifigênia, Medeia e até mesmo, Helena. Voltar a si era diferente: ela era Ela. E tinha uma […] Sem comentários 11 de julho de 2023
  • Sonhos de chuva Ela acorda, toma café (suco de laranja, na verdade), caminha na chuva e olha a vida passar. Ela deita à noite, tenta ler duas páginas do livro de meses atrás e já não lembra da história. Dorme, e seus sonhos são tão incompletos quanto os contos que escreve. Ela acorda, toma café (hoje sim, toma […] Sem comentários 7 de julho de 2023